Nas aulas do Método Co.R.Po. para Performers e Outros Artistas, durante a Oficina de Música de Curitiba 2016, Wilson Sagae trabalhou a presentidade como ferramenta para o desenvolvimento da prática performativa.
"A presentidade nos permite escapar da condição de seguir vivendo pautado pelo medo, pelo risco do talvez, por fantasias fundamentadas por acontecimentos que deixamos para trás. A presentidade nos dá a segurança de apesar de vivermos inconscientes do que fazemos a maior parte do tempo, ainda assim nossos sentidos e nossas ações estão em sincronia constante, permitindo que nosso agir, mesmo fora da consciência, seja eficiente na manutenção de nosso existir."
A presentidade não é apenas uma procura por autoconsciência, mas também ela imersa em uma atenção plena na realidade circundante.
"O corpo é o meio pelo qual existimos na realidade. Aceitamos que a mente dirige o corpo e também que não existe mente sem corpo. No sentido da presentidade, o corpo ancora a mente no presente pois nosso corpo não possui a capacidade de viajar para o passado, futuro, ou fantasiar algo que a mente realiza com naturalidade."
Uma das atividades propostas para os artistas foi beber água (manter na boca, sem engolir), cuspir a água de volta ao copo, colocar novamente na boca, cuspir novamente no copo, colocar novamente na boca... A ação causava variadas ativações nos participantes. Apesar da simplicidade do gesto, não pareceu fácil para muitas pessoas lidar com a saliva da própria boca; era comum ver expressões de repulsa.
Em atividades como essa, em que se causa atenção dirigida ao próprio ato de beber, sentir a água na boca, devolver ao copo; e entre esses atos, diversas outras sensações que se acumulavam, como a temperatura da água se alterando, a textura do líquido ganhando viscosidade e bolhas, a presença de outra pessoa a observar o ato, a repetição como percepção de cada ato como único, trabalha-se também questões como endurance (persistência, resistência, paciência, tolerância). No sentido da presentidade, percebia-se que o self (aquela voz que fica a todo momento afirmando coisas, criticando, negando, como se fosse o controle remoto de nós mesmos) ativava-se de maneira aguda, sendo preciso calá-lo para dar continuidade ao experimento. No mínimo era preciso dialogar com o self numa ação da vontade intensa para manter a continuidade do processo. Por definição, presentidade acaba sendo também transformar o self em sentido do self, não mais algo que afirma, critica ou nega, mas que passivamente acompanha os processos da existência retornando a uma condição não mais definidora ou criadora de confusão atrasando nossos atos.
"Ao se trabalhar formas de sentir que vão além daquelas que cotidianamente damos atenção, podemos enriquecer nossa percepcão da vida. (...) É curioso como a mente trabalha com relação às imagens e como reaprender a utilizar os mecanismos da mente permite abrir um horizonte muito amplo de possibilidades. O uso de imagens e visualizações ganha um novo potencial. Sejam imagens corporais, sejam as imagens que nos cercam, todas elas podem ser revistas sob um outro ponto de vista. Se não somos capazes de mudar o passado ou mesmo manipular o presente, ainda somos capazes de escolher o modo como lembramos do passado e a maneira como nos posicionamos ao escolher aquilo que dali em frente será determinante em nossas escolhas."
Grifos: Wilson Sagae
Foto: Lauro Borges, 2016